As vidas de escritores que deram livros na primeira noite do “Livros a Oeste” de 2019

A conversa cujo o tema foi “A minha vida já deu livros”, na noite de 14 de maio, abriu com um elenco de luxo os debates noturnos do festival “Livros a Oeste” de 2019.
Mário Zambujal, Alice Vieira, Jaime Bulhosa, António Manuel Ribeiro e Afonso Cruz estiveram à conversa, sob a batuta de João Morales, jornalista e programador deste festival literário. A propósito do tema escolhido para a conversa, foram muitas as histórias pessoais e íntimas contadas pelos autores presentes.
Mário Zambujal, um dos autores repetentes deste festival literário e que continua a surpreender com o humor que o carateriza, contou as várias peripécias que o levaram a ser jornalista e, mais tarde, a escrever livros. “A minha vida foi feita de acasos”, adiantou. Não se assumindo como escritor, até porque só escreve livros por prazer e sem pressões, disse que o que lhe interessa é contar histórias.
O escritor e jornalista editou em 2018 o livro “Então, Boa Noite”, um romance pleno de humor e de aventuras, protagonizadas por um sedutor que só consegue estar acordado durante a noite.
A sua obra mais conhecida, “A Crónica dos Bons Malandros”, está a ser adaptada para uma série de televisão e Mário Zambujal ficou muito contente porque “o realizador foi incentivado pelo seu filho para este projeto”. Esta foi a prova de que uma obra com 40 anos continua atual, num tempo em que tantas outras que foram mais relevantes desapareceram da memória. “O que será que ficará deste tempo de agora no futuro?”, foi a pergunta que deixou no ar.
Também Alice Vieira se assume acima de tudo como jornalista, apesar de ser uma reconhecida escritora e autora de mais de 80 livros. Reagindo a uma pergunta de João Morales, a autora sublinhou que o seu trabalho como jornalista se refletem muitos nos livros que escreve. “A minha escrita, seja para crianças ou adultos, é sempre muito jornalística”, explicou.
Alice Vieira falou sobre a vida cheia de mudanças, desde que começou a ser jornalista, ainda adolescente, passando pela sua passagem em Paris durante o Maio de 68, até à morte de Mário Castrim, com quem esteve casada até ao seu falecimento.
António Manuel Ribeiro, eterno líder e vocalista dos UHF, é o autor do livro “És Meu, Disse Ela” que conta a história real da perseguição de uma fã. Um caso de polícia, que levou à primeira condenação por “stalking” em Portugal, que durou vários anos e foi muito traumatizante para o músico. “Demorou algum tempo para perceber que era um caso muito grave”, recordou, contando como toda esta situação de perseguição era muito complexa e novidade na Justiça em Portugal.
A partir desta histórica rocambolesca, com pormenores muito sórdidos e doentios, António Manuel Ribeiro decidiu escrever um livro que serviu também como catarse de todo o processo.
O livreiro Jaime Bulhosa lançou recentemente "Pedra de Afiar Livros”, um livro que reúne vários textos sobre a sua atividade profissional, alguns dos quais publicados no blogue da Pó dos Livros (nome da livraria que fundou em Lisboa).
Tudo começou quando o livreiro começou a escrever as histórias que se passavam na sua livraria, Pó dos Livros. “Nas livrarias aparece todo o tipo de gente e muitos loucos, acontecendo histórias bizarras”, contou, explicando que começou por registar para que os seus filhos viessem a ler um dia. A primeira vez que decidiu escrever foi quando entrou a loja um cliente, perguntou se o livreiro já tinha lido todos os livros à venda e perante uma resposta negativa comentou: “você não é muito bom no seu trabalho, pois não?”. Mas são inúmeros os casos caricatos como os pedidos de publicações sobre os mais diversos temas ou a forma como as pessoas roubam livros. Esses episódios foram partilhados primeiro num blogue e Jaime Bulhosa acabou por enviar uma série de histórias para uma editora, D.Quixote, que decidiu publicar um livro.
Outro repetente no “Livros a Oeste” é Afonso Cruz, escritor que é também ilustrador, cineasta e músico. A propósito do seu romance “Princípio de Karenina” o autor falou sobre as virtudes das pessoas, a maldade e o bem. “É muito mais fácil destruir do que construir. O caminho do universo é para destruição – uma janela irá torna-se num grão de areia, mas um grão de areia não será uma janela – e nós fazemos parte da Natureza, por acabamos por agir com esses mesmos princípios, embora a nossa consciência possa alterar alguma coisa”, explanou, resumidamente.
Na conversa também se falou nos fenómenos de extrema-direita em vários países e a forma como a comunicação social portuguesa tem tratado a eleição de Bolsonaro ou Trump, procurando outras personagens que em Portugal possam ter esse papel. “Parece que é uma atitude provinciana de querer também extrema-direita em Portugal como existe noutros países, para parecermos desenvolvidos”, afirmou.
No início da sessão a contadora de histórias Clara Haddad, brasileira radicada em Portugal desde 2005, fez uma apresentação de várias histórias, onde também a moral humana era posta em causa e deixou a todos refletir.