A literatura lusófona esteve em debate no “Livros a Oeste”

A sessão da segunda noite do festival “Livros a Oeste” acabou por ser dedicada à lusofonia, uma vez que estiveram à conversa com João Morales, o cantor e escritor Sérgio Godinho, nascido no Porto, o escritor guineense Tony TcheKa e o autor angolano João Melo.
O tema deste painel foi “Temos fantasmas tão educados, que adormecemos no seu ombro”, ou seja, um excerto do poema "Queixa das almas jovens censuradas", de Natália Correia, posto em música por José Mário Branco, no álbum "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades".
Depois de ter editado vários livros de contos e poemas, João Melo lançou há um mês o seu primeiro romance, intitulado “Será este um romance?”, que tem como protagonista um escritor. João Melo contou que, há muitos anos, que os seus amigos e o seu editor queriam que ele publicasse um romance.
A oportunidade surgiu em 2019, quando se reformou de todas as suas funções políticas e profissionais, para se dedicar apenas à escrita. “Fiz este romance para ajustar contas que eu tinha com várias coisas e experiências”, explicou. Tinha tanta necessidade interior para o fazer desta forma, que o escreveu em três meses. Como o protagonista do seu livro é um autor que quer escrever um romance, João Melo aproveita as angústias da personagem para referir-se às suas próprias dúvidas, mas também à visão heliocêntrica que existe da literatura.
Tony Tcheka, pseudónimo do jornalista e escritor António Soares Lopes, lançou recentemente, na Guiné-Bissau, "Quando os cravos vermelhos cruzaram o Geba", que conta o impacto do 25 de abril de 1974 nos guineenses. O livro já tinha sido lançado em Portugal em 2020, altura em que já criticava duramente o governo do seu país, algo que continua a fazer, estando muito preocupado com a atual situação de estagnação da Guiné-Bissau.
Muito orgulhoso da sua terra e de toda a sua cultura, Tony Tcheka destacou, no entanto, que este é um país rico e que tem tudo para os guineenses viverem bem.
Quanto ao seu livro, surgiu depois de uma viagem que fez a Portugal, para conhecer a realidade daqueles que vieram das colónias, a seguir ao 25 de Abril. “Constatei uma série de situações dramáticas”, disse.
“Os guineenses achavam-se profundamente portugueses e, quando vieram para a antiga metrópole, descobriram que, afinal, não eram tão portugueses quanto pensavam”, salientou. De nada valiam os bilhetes de identidade com a nacionalidade portuguesa.
“Houve, por isso, uma rutura muito precoce”. O autor lembra que os guineenses trouxeram com eles “coisas muito boas, mas também coisas más, como por exemplo, a mutilação genital feminina”.
Já Sérgio Godinho falou sobre o seu último livro “Palavras São Imagens, São Palavras”, uma obra que reúne poemas e fotografias produzidas por si.
O autor pegou em alguns poemas que tinha escrito e conjugou-os com fotografias que foi tirando, algumas até por telemóvel. Nalguns casos há uma correspondência entre ambos que é evidente, porque foi a partir da imagem que fez o poema.
O cantautor contou como na literatura começou a escrever contos, depois romances e que agora passou também a dedicar-se à poesia. “As canções têm outra técnica, porque é a conjugação de duas formas de expressão: a música e as letras”, afirmou.
A conversa acabou por ser levada para os problemas da literatura lusófona, abordando o Acordo Ortográfico e a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), que Tony Tcheka considera ser um “nado-morto”, sem missão e sem financiamento.
O final desta sessão foi bastante emocionante, com a exibição do vídeo de uma colaboração de Sérgio Godinho com Bernardo Sassetti (“Em Dias Consecutivos”), que faleceu a 10 de maio de 2012.
No livro agora publicado, há texto e fotografia em que Sérgio Godinho recorda Bernardo Sassetti, amigo e cúmplice de vários projetos.