Autores falaram sobre o papel da ficção

“Ficção: Contar Mentiras Verdadeiras” foi o tema do primeiro debate da edição deste ano do Festival “Livros a Oeste”, na noite de 8 de maio, que contou com a participação dos escritores João Tordo e Filipa Martins, e do realizador António Pedro Vasconcelos, com moderação de João Morales.
A escritora Filipa Martins, que editou recentemente o romance “Memória dos Rouxinóis”, salientou que muitos escritores transportam para a ficção elementos da vida real. “Nós, quando escrevemos, estamos na ilusão da realidade” e por isso considera sempre um elogio quando lhe perguntam se as personagens dos seus livros existem mesmo.
Filipa Martins aproveita os seus livros para fazer vários processos catárticos. “Resolvo demónios e assombrações interiores”, revelou. Segundo a escritora, o seu primeiro livro (“Elogio do Passeio Público” que recebeu o Prémio Revelação em 2004, atribuído pela Associação Portuguesa de Escritores) foi escrito porque “queria matar uma pessoa na realidade”. Como não o poderia fazer, “matei-o na ficção”. Desta forma, conseguiu libertar-se daquele ódio.
O realizador António-Pedro Vasconcelos, que escreveu o ensaio “O Futuro da Ficção”, publicado em livro, entende que “a grande ficção deve ser, ao mesmo tempo, reflexo e reflexão”. Por isso, acha que a melhor forma de lidar com a memória de um país deve ser, também, através da ficção, lamentando que não haja mais filmes sobre a Guerra Colonial.
Por outro lado, quando vimos um filme ou lemos um livro de ficção, precisamos de acreditar no que se passa na história, “suspender a descrença e embarcar naquilo”. O escritor coloca-se no papel de Deus e tem de dar um destino a cada personagem. “Uma ficção tem que ter sempre uma lógica e ser verosímil, mesmo quando acontece algo trágico”, disse.
Na sua opinião, o maior exemplo de ficção são as histórias de Sherazade ao rei Xariar, uma vez que “a ficção é o que nos permite adiar a morte”. Vivendo num mundo imperfeito, precisamos de histórias porque “a realidade não é convincente”.
Para o escritor João Tordo, na ficção contemporânea as personagens passaram a ter mais substância e são, cada vez mais, anti-heróis. “Já não é o Rambo ou o Super-Homem, que resolvem tudo. Eu prefiro que sejam anti-heróis”, afirmou.
Para João Tordo, na ficção há várias vozes que surgem. “Quando crio uma personagem ou uma história é porque estou a dar ouvidos a uma voz qualquer, dentro de mim, que quer falar”, explicou. “Essas vozes, quando lhes damos ouvidos, podem dizer-nos coisas muito interessantes e levar-nos a escrever livros de 500 páginas”, adiantou. É por isso que nunca parte para uma página em branco “comigo em branco”.
Fotografias: Rita Chantre